Estou sempre me descobrindo. A gente vive se descobrindo, se é que posso falar por todos. De tempos em tempos, me deparo com uma nova realidade, uma verdade, uma descoberta sobre mim mesmo, um outro eu, sem que se leve isso ao exagero.
Não chega a ser aquela coisa
que surpreende, que faz a gente pensar coisas do tipo: "ah, olha só, eu
não sabia que era capaz disso!" Não, não chega a tanto. É claro que isso
já aconteceu comigo. Contigo também, muito provavelmente. Bom, tanta ladainha
só pra dizer que cozinhar me acalma. Me acalma pra valer. Funciona como uma
terapia.
Eu sempre soube que cozinhar provoca
algo bom, muitas vezes é reconfortante. Até cozinheiro, que pega no batente
mais de oito horas por dia, já declarou isso.
O escritor austríaco Johannes
Mario Simmel, no seu livro que fez grande sucesso no passado, Nem só de caviar vive o homem, escolheu
como premissa essa ligação. Na narrativa, sempre que o personagem principal se
via metido em encrencas ou que precisasse tomar uma decisão, se enfiava na
cozinha e fazia algo apetitoso e requintado. Cozinhando, encontrava uma saída
certeira e definitiva.
Percebi que no meu caso
cozinhar tem sua ação terapêutica.
Lembro-me claramente de um
determinado domingo em que havia acordado inquieto, irritado, e nem tinha
motivos pra isso. Tinha dormido mal, sei lá, só sei que estava de bico. Detesto
me sentir assim. Fico mais acabrunhado quando não há motivos. Não sou daqueles
que acorda mal humorado. Muito pelo contrário. Nem um dia nublado, frio,
chuvoso, me provoca reações negativas. Simplesmente, estava de cara virada. E
nem devia, pois já tinha espiado pela janela do quarto que o domingo estava
radiante, o céu azulzinho; tudo brilhava, as árvores estavam mais verdes que
nunca; os pássaros voavam em volta do meu prédio cantando alegremente; as
nuvens pareciam de algodão. Enfim, um dia espetacular. E eu ali, todo largadão
na cama.
Tencionava planejar um passeio
para melhorar meu astral, quando a Giulia, minha filha, entrou no meu quarto,
toda alegre, com um sorrisão lindo estampado no rosto, chegou pertinho de mim e
disse:
“Pai, hoje é domingo! O que
você vai fazer de almoço?... Posso te ajudar?”
Ela não sabia, e nem eu, mas
estava salvando meu dia!
Escolhemos o prato principal,
compramos o que precisava e fomos pra cozinha. Eu e minha superauxiliar, toda
solícita como sempre, preparamos um Picadinho
na Cerveja.
A cada ingrediente adicionado,
fui percebendo como me acalmava. Nem picar as cebolas me incomodou. O cheiro e
aquele chiado peculiar da cebola fritando na margarina, hummm... Já estava me
animando!
Minha ajudante colocava os
pedacinhos de carne aos poucos, e a cada vez que eu girava a escumadeira para
misturar, o aroma me inebriava. Um pouco de sal e de pimenta-do-reino, duas
folhinhas de louro, para provocar meu olfato, para não dizer do apetite... E
chegava a hora dela! A loirona incomparável! Quando a despejei, lentamente, o
convidativo líquido dourado da cerveja formou uma névoa me embriagou de tal
maneira que me vi sorrindo à toa, flutuando entre a mistura agradável de
sabores. Uou... Só de lembrar me dá vontade de tomar uma agora!
Já quase no fim, esperando a
carne ficar macia, botei umas musiquinhas para tocar – musiquinhas, não! Que se
faça justiça, musicões! Pois o CD Acústico
MTV - Kid Abelha, é tudo de bom!
Abri outra latinha de cerveja,
dessa vez era para mim. E entre um gole e outro, tirava a tampa da panela para
me deixar ser invadido pela deliciosa fumacinha que escapava toda frenética,
como se tivesse vida própria e quisesse atrair todos os estômagos famintos da
redondeza.
Logo veio o gran finalle: a hora de botar o creme de
leite. Uma mexidinha, e pronto.
No fim, eu já era outro, leve,
animado. E faminto, claro!
Em dias de mau humor, antes
desse dia, não me atrevia ir para a cozinha. Em dias assim, eu suspeitava que
nada saísse gostoso, tragável. Ledo engano.
Foi o melhor Picadinho na Cerveja que já tinha feito.
Adicionados ao prato, teve o toque da alegria, outrora irritação; teve a pitada
da motivação que antes era apenas inquietação sem motivo; e teve o tempero
principal: o incentivador e belíssimo sorriso da minha princesa.
Não sobrou nada pra janta.
Márcio Luiz Soares
* * *
Voltei aqui pra deixar a receita - tá aqui.
Tem também um aperitivo do Acústico MTV do Kid Abelha - aqui.
A cerveja fica por tua conta e se quiser me convidar pra ajudar a tomar...