Passei na locadora de vídeo no sábado passado, torcendo para encontrar o que desejava desde o início do mês, quando fiquei sabendo que um dos melhores filmes que assisti no cinema no começo do ano havia sido lançado em DVD. Não podia haver momento mais adequado, afinal, não tenho visto lá aquelas coisas ultimamente. Dei sorte. Estava numa estante de frente para a porta, isolado na prateleira, como se estivesse reservado para mim, me aguardando.
Se ainda não assistiu Desejo e Reparação, não faça como eu, não demore, corra pra locadora!
O filme é espetacular! Arte pura! Arte cinematográfica de primeira qualidade! O roteiro é sensacional. É baseado num livro que tenho a obrigação de ler. Mais um para a minha extensa lista: Reparação, do escritor inglês Ian McEwan. O “Desejo” do título do filme pode até não ser um equívoco, porém é totalmente desnecessário. A narrativa em forma de diversos flashbacks quebrados (cheio de idas e vindas) também é demais, muito bem sacada! A fotografia é esplêndida, tem uma cena de aproximadamente cinco minutos só de plano geral numa praia, retratando bem as agruras de uma guerra.
Até a música é um espetáculo à parte: quando assistir (ou rever) repare no som da máquina de escrever intensificando determinadas cenas. Ótimo recurso narrativo, que além de envolver o espectador, o leva a descobrir os sentimentos da personagem Briony, conforme as batidas das teclas! O responsável pela suntuosa trilha sonora é Dario Marianelli, o mesmo de V de Vingança e de Orgulho e Preconceito - ambas também são ótimas.
Logo no início somos apresentados à aristocrática Briony (interpretada pela ótima Saiorse Ronan), uma adolescente que deseja ser escritora. Essa personagem, ao contar uma mentira grave, comete uma grande injustiça com quem ela nutria um amor platônico – Robbie, filho da governanta, interpretado convincentemente por James McAvoy. A mentira foi motivada por ciúme e vingança, após ela presenciar sua irmã mais velha, Cecilia (Keira Knightley), numa relação sexual com o tal sujeito. Aliás, não somente por isso, também por uma série de fatos em momentos anteriores. Como a cena que provocou desolação em Briony ao observar a irmã ficar praticamente nua diante do rapaz, após entrar numa fonte e de uma carta de Robbie endereçada a Cecilia que nunca deveria ter sido escrita. Aos poucos as situações se tornam caóticas. E é durante muitas dessas situações que a belíssima trilha sonora acentua a ira de Briony, permitindo-nos perceber o tamanho da imaturidade da garota, como se entrássemos na sua mente, sentindo exatamente o quanto ela distorcia os fatos, por pura paixonite. Porém, muitos outros elementos causariam os danos irreparáveis aos personagens, ao longo da narrativa.
Essa narrativa, inclusive, desprendida de ordem cronológica, é singular, muito bem trabalhada - como que esculpida - de forma genial pelo talentoso diretor Joe Wright, quando em determinados momentos nos mostra pela perspectiva da narradora e depois como os fatos ocorreram realmente. Outro recurso narrativo fantástico.
Para mim um dos maiores impactos emocionais do filme é provocado pela trilha sonora. Todo o resto também é impactante: o roteiro foi muito bem escrito, brilhantemente conduzido pelo diretor; a fotografia, principalmente no plano-sequência que voltarei a mencionar; a curta e espetacular interpretação de Vanessa Redgrave (no papel de Briony em idade avançada), fazendo sua personagem impressionar, tanto na conclusão do filme, como na conclusão dos atos da personagem [os fins justificam os meios?]. Ficção dentro da ficção. O final é surpreendente! O filme é indispensável.
Merecidamente o filme foi vencedor de diversos prêmios internacionais, como o Globo de Ouro de melhor trilha (uhu!!) e de melhor filme, além das indicações ao Oscar 2008 de melhor filme, direção de arte, figurino, roteiro adaptado, atriz coadjuvante para Saiorse (a pronúncia, se não me engano, é “sir-chah”, e significa “liberdade” para os irlandeses). Ah, levou a estatueta de melhor trilha sonora (uhuuuu!!!). Apesar dos outros concorrentes na categoria de melhor filme também serem ótimos, eu considerei Desejo e Reparação (Atonement, 2007) o melhor, o favorito.
Uma obra-prima do diretor Joe Wright, responsável pelo também interessante Orgulho e Preconceito. Acredito que logo voltarei a ver o nome dele em grandes produções. Tomara que logo ocorra - o público agradece.
Separei a cena que mencionei no início. Trata-se de uma referência à evacuação das tropas britânicas de Dunquerque, na França, na Segunda Guerra Mundial. Repare que a partir do momento em que os personagens estão na areia da praia, todo o restante foi gravado numa única tomada, em um único plano-sequência. É de se tirar o chapéu aos atores, ao diretor do filme e, principalmente, ao diretor de fotografia e ao responsável por ter segurado a câmera (se não foi o mesmo).
A cena tem seus momentos chocantes e de ironias, talvez por isso nem todos percebam a maestria dos profissionais envolvidos ou a grandiosidade da filmagem sem edição. Clique e absorva.