domingo, 30 de novembro de 2008

Encostar na Ana




Eu não tenho dúvidas de que “o Brasil é um país de cantoras”. Mesmo que essa afirmação possa ter se tornado um clichê, ela é muito verdadeira. Tenho uma lista enorme de cantoras nacionais das quais sou fã. Espero postar alguma coisinha de cada uma delas por aqui. Na verdade, o país vai muito bem de cantoras, de cantores, de músicos e de compositores, obrigado.

Ana Carolina é considerada uma das melhores compositoras e cantoras. Eu estava escutando no meu carro o álbum Perfil e quando cheguei em casa coloquei o clipe da música Encostar na Tua (o mesmo que postei aqui), que pertence ao mesmo álbum. Sempre que ouço essa canção, sempre que assisto ao clipe eu me emociono. Não somente com esta canção – com todas. Porém, ela tem algo a mais para mim. Toca bem fundo. Revolve as areias do tempo.

Acredito que pra muita gente esta música pega no coração, mexe com qualquer um. Outras também, pois a Ana Carolina diz verdades avassaladoras e absolutas em suas letras. Mesmo quando a letra não é dela, é claro. Ela tem uma maneira peculiar de cantar, carrega com tanto sentimento, com tanta emoção – uma emoção que cutuca, diverte, entristece, incomoda, invade, desmistifica, nos desconstroi. Às vezes, assusta. Preste atenção em suas letras e como ela canta. Vai me entender.

Assim como vai me entender se prestar atenção quando ela diz “Eu quero te roubar pra mim / Eu que não sei pedir nada”. Também tem outro trecho que merece mais atenção: "Eu só quero saber em qual rua / Minha vida vai encostar na tua.” Não. Esquece. Preste atenção na letra toda, isso sim!


Eu quero te roubar pra mim
Eu que não sei pedir nada
Meu caminho é meio perdido
Mas que perder seja o melhor destino

Agora não vou mais mudar
Minha procura por si só
Já era o que eu queria achar
Quando você chama meu nome
Eu que também não sei aonde estou
Pra mim que tudo era saudade
Agora seja lá o que for

Eu só quero saber em qual rua
Minha vida vai encostar na tua

Eu só quero saber em qual rua
Minha vida vai encostar na tua

Eu quero te roubar pra mim
Eu que não sei pedir nada
Meu caminho é meio perdido
Mas que perder seja o melhor destino

Agora não vou mais mudar
Minha procura por si só
Já era o que eu queria achar
Quando você chama meu nome
Eu que também não sei aonde estou
Pra mim que tudo era saudade
Agora seja lá o que for

Eu só quero saber em qual rua
Minha vida vai encostar na tua

Eu só quero saber em qual rua
Minha vida vai encostar na tua

E saiba que forte eu sei chegar
Mesmo se eu perder o rumo
E saiba que forte eu sei chegar
Se for preciso eu sumo

Eu só quero saber em qual rua
Minha vida vai encostar na tua

Eu só quero saber em qual rua
Minha vida vai encostar na tua

Eu quero te roubar pra mim...



sábado, 29 de novembro de 2008

A Morte conta uma história





Gosto muito de ler. Sou apaixonado por livros, entretanto considero que perdi muito tempo não lendo os livros que já deveria ter lido, como diversos clássicos da literatura internacional. Ou seja, acho que li pouco. Mesmo concordando que leio mais que a média nacional. Apesar da paixão pelos livros, apesar da minha idade, apesar do meu grande interesse por esse universo fantasticamente mágico e inebriante, considero que li muito pouco. Existem diversos autores muito interessantes que o mundo todo já leu e eu não, ou que li poucos títulos – portanto a minha lista “os livros que quero ler” é extensa. Muito, muito extensa. Aos poucos vou dando conta. Não comecei tarde, apenas dividi demais os meus afazeres e, durante determinadas épocas, prejudiquei o meu espaço para leitura de livros. Mesmo não tendo lido a quantidade de livros que gostaria, considero ter feito as escolhas certas, ou simplesmente dei sorte. Gosto principalmente dos livros que apresentam uma narrativa poética. Por isso acertei mais uma vez, pois A menina que roubava livros possui essa narrativa - extremamente inteligente, devo salientar. Não é sempre que encontro textos assim, ainda mais quando é de uma poética tão bem-humorada, com pinceladas sarcásticas muito bem colocadas (nem sempre sutis) e tão refinada. Reverências ao escritor australiano Markus Zusak.

Zusak conseguiu juntar revolta, tristeza, alegria, desejo, dor, enfim muita emoção, de uma maneira poética, sem abstracionismo exarcebado, sem jocosidade e, o que é muito melhor, sem ser piegas. Ao longo da leitura nos vemos jogados nesse misto de emoção, ora nos revoltamos, ora ficamos apreensivos, ora nos alegramos e nos divertimos. Exatamente como é o nosso mundo, como sempre nos acontece, mas com um detalhe: nas nossas vidas falta a poesia. Somente quando a narramos com todos os nossos sentimentos aflorados, aí sim a acrescentamos – mesmo quem não tem o domínio literário. Até pode fazer parte da nossa vida real, numa contemplação da natureza, num momento de introspecção, numa declaração de amor e paixão, mas não a percebemos facilmente. E nem precisa. Basta ela influenciar o momento. Como influencia no livro.

Antes de terminar a leitura do livro, eu relia incansavelmente diversos capítulos. Não foi por não ter entendido. Relia para voltar a saborear as palavras, as entrelinhas, as contexturas, os comentários, irônicos ou não, habilmente intercalados. Aliás, essa tarefa de comentar coube a narradora da história: a Morte. É ela que retrata as dores e perdas causadas pelo nazismo durante a Segunda Guerra Mundial (reclamando de todo o trabalho que teve nesse período da história), assim como a importância de sua existência, tentando entender a natureza humana, e é por meio dela que o leitor é levado a se emocionar ao lado da personagem Liesel Meminger (por quem a Morte é totalmente fascinada), diante de seus anseios, angústias, misérias, tristezas, alegrias e aventuras.

Liesel é levada a ter uma vida que não desejava após a morte do seu irmão. E foi justamente durante o enterro dele que ela se depara diante da oportunidade de roubar um livro. Obrigada a morar com pais adotivos são nos livros furtados que ela encontra as palavras que a guiam - não servem apenas de distração, provocam um vislumbre de esperança de uma vida melhor. Outras coisas também a guiariam e marcariam sua vida, como a amizade de Rudy, seu amigo de aventuras, o afeto pelo seu pai adotivo, Hans, e a compaixão e ternura com Max, um fugitivo judeu. Com todos eles a acompanhamos nas cores da sua vida, nas descobertas de caráter e de personalidade, permeados por sentimentos nobres que a cumplicidade mútua é capaz de provocar. A menina Liesel era cúmplice de cada um deles, na dor, na alegria, na esperança, na luta pela sobrevivência, no refúgio de si mesmos.

Encontrei nesse livro audacioso, uma história ao mesmo tempo triste e divertida, envolvente, surpreendente, repleta de metáforas e simbolismos, tendo como grande sacada o fato de ser contada pela Morte. [Em setembro, postei aqui um capítulo do livro, intitulado Diário da Morte - recomendo uma espiada.] Numa versão em que a Morte tem coração, se sensibiliza, capaz de sentir ternura e carinho pelas vítimas da destruição e da crueldade humana, fica revoltada e indignada com os extremos do ser humano e, apesar de tudo, ela nos fornece uma definição da grandiosidade dele.

Gostei do estilo do autor, não somente pela prosa poética, mas também pela proeza narrativa em uni-la linguisticamente nas entrelinhas permeadas de humor, emoção, tomando o cuidado de não colocar o mistério em primeiro plano – uma inovação, tendo em vista que a enorme maioria dos escritores mantém o suspense até o último capítulo. O suspense existe no livro, não da forma que estamos acostumados, na busca da decifração de um enigma encontrada somente no final, e sim por estar inserido num contexto mais profundo, numa narração que encanta e surpreende o tempo todo, incitando-nos a seguir em frente, não apenas por curiosidade simplesmente, mas por necessidade de querer acompanhar a Liesel. Dessa forma o leitor tem a chance de valorizar a narração, reconhecer sua riqueza e atingir um nível de satisfação incondicional durante a leitura.

Quando terminei de ler o livro, cheguei a diversas conclusões. A principal foi justamente a mais óbvia: a vida, apesar de tudo, vale a pena.


Márcio Luiz Soares

***
Foto: by Márcio Luiz Soares (arquivo pessoal)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

O que há





O que há em mim é sobretudo cansaço -
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas –
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada –
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço...


Álvaro de Campos

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Somos livres?





Somos livres. Esta frase pode parecer muito abstrata hoje diante do cotidiano atropelado de afazeres, atividades, responsabilidades que todas as pessoas têm. Ninguém tem tempo de pensar na questão de “ser livre” e esta falta de tempo parece ser a prova de que a liberdade não existe. Quem, ao trabalhar demais, sem poder realizar outros aspectos de sua vida (como o conhecimento que envolve leituras, filmes, boas conversas, até mesmo a possibilidade de freqüentar cursos, de fazer viagens, de desenvolver sua criatividade, de aprender, enfim, coisas novas), pode dizer que é livre?

Lazer é o nome que damos a tudo isso que constantemente nos falta. O lazer não é algo que podemos abandonar em nome do trabalho. Em geral, é o que deixamos de lado quando estamos na luta pela sobrevivência. Mas é o nosso lazer que nos ensina e nos prepara para sermos seres humanos melhores, mais elaborados, inclusive no trabalho e, sobretudo, em relação a nossa família e amigos. É neste mundo que recarregamos nossas energias para os esforços que temos que fazer em nosso dia a dia.

Onde entra a liberdade neste caso? O lazer não é só um pacto que fazemos com a liberdade, mas a chance de expandi-la para todas as esferas da nossa vida. Liberdade é o nome que se dá ao fato de que escolhemos nossos rumos. Se não escolhemos não somos livres. O fato de que não temos tempo para o lazer prova que não temos liberdade. Ou que não sabemos usá-la. Uma parte da vida se perde aí. O problema maior da liberdade é que a vida também pode ficar meio sem sentido quando não pensamos no que estamos fazendo com ela. A liberdade é, portanto, mais do que algo que se tem ou não se tem, que se sabe ou não se sabe usar. Ela é uma capacidade de pensar na própria vida e de optar de modo responsável pelas próprias escolhas.

A liberdade é algo que faz parte do ser humano. Ninguém pode sentir que se tornou um ser humano sem que tenha tomado a liberdade como algo seu. Esta é uma idéia que vem de não muito tempo atrás. É uma idéia moderna que apareceu junto com o desejo humano que cada indivíduo tem de ter posse sobre si mesmo. Liberdade não é apenas algo que nos limita desde que pensamos que a de um termina onde começa a de outro. É mais que isso. Liberdade é a capacidade de organizar a vida para que trabalho e lazer possam ser possíveis. Mas, sobretudo, é ter consciência de si dentro destas dimensões da vida.


Márcia Tiburi


sábado, 22 de novembro de 2008

A globalização é uma mulher



Ontem, a ordem unida; hoje, as muitas possibilidades.
Ontem, a luta por ser melhor; hoje, por ser singular.
Ontem, o falar grosso; hoje, o falar carinhoso.
Ontem, a razão dos números; hoje, a do afeto.
Ontem, o poder do pai; hoje, o da família.
Ontem, o amor disciplinado; hoje, o amor responsável.
Ontem, o treinamento; hoje, a experiência.
Ontem, o futuro previsível; hoje, o futuro inventado.
Ontem, a rebeldia; hoje, a diferença.
Ontem, o como chegar; hoje, o como escolher.
Ontem, o necessário; hoje, o desejável.
Ontem, o importante; hoje, o entusiasmo.
Ontem, a universalização masculina; hoje, a globalização feminina.


Jorge Forbes

terça-feira, 4 de novembro de 2008

Gato que brincas na rua



Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.


Fernando Pessoa


***
Atendendo a pedidos, postei a poesia na íntegra (publiquei apenas um trecho no mês passado - era só o que eu tinha! rs). Duas colaboradoras merecem meu agradecimento pelo grande auxílio prestado ao enviarem o texto completo: Margareth e Kátia. Brigadão, meninas!