Há muito tempo, no Tibete, uma
mulher viu seu filho, ainda bebê, adoecer e morrer em seus braços, sem que ela
nada pudesse fazer. Desesperada, saiu pelas ruas implorando que alguém a
ajudasse a encontrar um remédio que pudesse curar a morte do filho. Como ninguém
podia ajudá-la, a mulher procurou um mestre budista, colocou o corpo da criança
a seus pés e falou sobre a profunda tristeza que a estava abatendo. O mestre,
então, respondeu que havia, sim, uma solução para a sua dor. Ela deveria voltar
à cidade e trazer para ele uma semente de mostarda nascida em uma casa onde
nunca tivesse ocorrido uma perda. A mulher partiu, exultante, em busca da
semente. Foi de casa em casa. Sempre ouvindo as mesmas respostas. “Muita gente
já morreu nessa casa”; “Desculpe, já houve morte em nossa família”; “Aqui nós
já perdemos um bebê também.” Depois de vencer a cidade inteira sem conseguir a
semente de mostarda pedida pelo mestre, a mulher compreendeu a lição.
Voltou a ele e disse: “O
sofrimento me cegou a ponto de eu imaginar que era a única pessoa que sofria
nas mãos da morte”.
A morte pode ser vista como um
mistério incompreensível. Ou como um absurdo inaceitável. A morte pode até ser
tratada como um tabu, assunto do qual a maioria das pessoas não gosta de falar.
Mas, seja como for, aceitemos isso ou não, a morte é um fato, uma realidade
inexorável. E que vem para todos nós. Por mais que queiramos nos esconder dela,
deixar de existir é uma coisa tão natural quanto existir. Na verdade, a morte é
provavelmente a única coisa certa na sua existência ou na minha – e também na
de nossos pais, nossos filhos, nossos ídolos e inimigos, de todas as pessoas
que amamos e mesmo daquelas que jamais chegaremos a conhecer: é certo que todos
nós vamos morrer um dia. Pessoas boas, pessoas ruins, gente em Xanxerê, Santa
Catarina, ou em Nagano, no Japão. E esse dia pode acontecer amanhã ou daqui a
60 anos.
A morte faz parte da vida.
Todos começamos a morrer exatamente no dia em que nascemos. A morte, portanto,
é uma etapa da nossa existência com a qual temos que conviver. Pode-se conviver
melhor ou pior com ela. Mas não se pode evitá-la. Pode-se aceitar a sua
inevitabilidade e olhá-la de frente. Ou pode-se negá-la, fugir dela, imaginar
que não pensar na morte possa fazer com que ela deixe de acontecer com você ou
com a sua família. Mas o fato é que todos nós estamos programados para nascer,
crescer e morrer – uma obviedade esquecida por boa parte da sociedade ocidental
contemporânea, que teima em ver a morte como um evento artificial, inesperado e
injusto. Sobretudo, costumamos vê-la como um evento exclusivo, pessoal, que
isola quem sofre uma perda, por meio da dor, do resto do mundo. Quando, ao
contrário, não há nada menos exclusivo do que morrer. Nem nada que perpasse
mais a humanidade do que o sofrimento de uma perda.
Como está expresso na fábula
tibetana, a morte não é privilégio nem desgraça particular de ninguém. Ela
chega para todos, sem exceção.
Maria Fernanda Vomero
Trecho extraído da Revista
Super Interessante –leia a matéria na íntegra aqui.