terça-feira, 10 de junho de 2008

Amor, tempo e paciência


De manhã, é tudo silêncio. Mas soa o tilintar dos bujões de gás passantes, o pregão do vendedor de água e as frases bem humoradas do papagaio que amanhece contemplando a rua. Uma brisa leve, calmante, varre os papéis e levanta as cortinas. A rua ainda preguiçosa treme na passagem do caminhão e do ônibus que balança o lustre e embala nossa sonolência.

A hora acorda e se espreguiça. Vem com ela a mensagem de uma urgência pálida e sem certezas. Duas camisas jazem sobre o acento da poltrona. A poeira, deitada, não tem pressa. Livros sobrepostos, aglomerados, esperam.

Soa o grasnar de uma águia que passa altiva sobre os quintais e reflete o sol na penugem branca que lhe cobre o peito. Mais abaixo, o sabiá não diz uma palavra. As toalhas vão na cadência do varal e servem de acento às rolinhas. Nos vasos de flores, as onze horas ainda sonham. Fechadas em si mesmas ainda imaginam a cor do céu. Estão embaladas ingenuamente num mundo amarelo acolhedor.

Vem da cozinha, num instante, o zunido da geladeira. Um carro passa, uma criança grita e outras a seguem numa risadaria que vai sumindo aos poucos. A geladeira se silencia novamente. Desligada, a televisão jaz sobre a estante e se transforma num espelho. Ela faz companhia aos mudos CD´s empilhados. O chiado da vassoura de uma gari rompe o silêncio da rua acompanhado pelos passos do senhor idoso, lento e distraído.

A manhã de olhos ainda vermelhos acorda e me surpreende. Ela está viva em sua maresia bocejante e me faz olhar para o resto do dia como se ele fosse um corredor. Um corredor longo e vazio.


Paula Dórica

4 comentários:

Marcello BBlanc disse...

marcião, gostei muito desse post!! como é q vc encontra essas coisas, cara??! rs abraços

Ana disse...

Não conhecia essa autora, fiquei maravilhada. Me senti viajando junto com ela, ou no lugar dela, no ambiente que ela narrou. Se tiver mais textos dela, posta logo!! (rs)

Ká Sue disse...

Brilhante! A delicadeza com que a autora descreve o amanhecer é comovente. Amei!

Unknown disse...

Que texto maravilhoso, li com o sentimento de estar na minha pequena Caculé deleitando sua vida pacata e silenciosa de outrora. O prazer aumentou quando cheguei ao fim e deparei com o nome da autora que me é cara!