Como é longa essa viagem de volta. Os fins de tarde sobre o mar e essa passagem do sol poente à lua são os únicos momentos em que sinto o coração mais leve. Terei sempre amado o mar. Ele terá sempre apaziguado tudo dentro de mim.
Terrível mediocridade deste meio. Até agora não me sujeitei uma única vez à mediocridade que podia me cercar. Até agora. Mas aqui essa intimidade vai longe demais. E em todos, ao mesmo tempo, esse algo que poderia ir longe, se apenas...
Dois seres jovens e belos começaram um idílio neste navio, e logo uma espécie de círculo mau fechou-se a sua volta. Esses começos do amor! Eu os amo e aprovo do fundo do coração - até mesmo com uma espécie de gratidão pelos que preservam, neste convés, no meio do Atlântico reluzente de sol, a meio caminho de continentes loucos, essas verdades que são a juventude e o amor. Mas por que não chamar pelo nome também essa inveja que sinto no coração e o desejo tumultuado que se apodera de mim no sentido de redescobrir o coração impaciente que eu tinha aos vinte anos. Mas conheço o remédio, vou olhar para o mar durante muito tempo.
Tristeza por me sentir ainda tão vulnerável. Daqui a 25 anos, terei 57. Portanto, 25 anos para fazer minha obra e encontrar o que procuro. Depois, a velhice e a morte. Sei qual é o mais importante para mim. E encontro, ainda, meio de ceder às pequenas tentações, de perder tempo em conversas vãs ou passeios estéreis. Dominei duas ou três coisas em mim. Mas como estou longe dessa superioridade de que tanto necessito.
Maravilhosa noite sobre o Atlântico. Essa hora que vai do sol desaparecido à lua apenas nascente, do oeste ainda luminoso ao leste já escuro. Sim, amei muito o mar - essa imensidão calma - esses sulcos recobertos - essas estradas líquidas. Pela primeira vez, um horizonte à altura de uma respiração de homem, um espaço tão vasto quanto sua audácia. Sempre estive dilacerado entre meu apetite pelos seres, a vaidade da agitação e o desejo de me tornar igual a esses mares de esquecimento, a esses silêncios desmedidos, que são como o encantamento da morte. Tenho o gosto das vaidades do mundo, dos meus semelhantes, dos rostos, mas, fora do meu tempo, tenho uma regra própria, que é o mar e tudo que se lhe assemelha neste mundo.
Ó suavidade das noites, em que todas as estradas oscilam e deslizam por cima dos mastros, e esse silêncio em mim, esse silêncio, afinal, que me liberta de tudo.
Albert Camus
* * *
Este é um trecho do livro que acabei de ler, Diário de Viagem. Gosto das obras de Camus, um pensador conhecido como o filósofo do absurdo. Espero poder comentar sobre seus livros neste espaço. Se nunca leu nada dele, sugiro que não começe pelo Diário de Viagem. Justamente por ser bem intimista.
6 comentários:
Para conhecer Camus, sugiro "O Estrangeiro".
Eu também. E foi o primeiro que li dele. Inclusive, reli há pouco tempo. Muito bom.
Nunca li esse autor. Mas pelo que vi, estou perdendo tempo! rs Valeu pelas dicas, gente! rs Beijos
Também não conheço o autor, só de nome. Folheei uma vez, mas achei tão melancólico... De certo, folheei pouco, de maneira superficial. Mais um autor pra lista. Valeu.
Sérgio, acredito que você não se enganou: encontrou melancolia, sim! E vai continuar encontrando em muita coisa que ler dele! rs Porém, nos faz refletir sobre nós, os outros, o mundo; as incertezas; as armadilhas da vida; as nossas escolhas, certas, erradas, neutras. Eu ainda não me conformei com as atitudes do personagem principal de O Estrangeiro, no entanto, apesar de tudo,eu compreendi os motivos das escolhas feitas por ele. Recomendo Camus sempre.
to fugindo de livro q me deixa melancolica, a vida ja faz isso e muito bem! sei q não dá pra fugir e q ler esse tipo de coisa pode nos ensinar ou nos deixar alerta, mas tem hora q não dá, deixa a gente muito depre... minha mãe tem esse livro q a paula recomendou, qdo meu astral ficar melhor acho q vou tentar ler. Samantha
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