Faz um bom tempo que não comento sobre filmes por aqui e para começar bem o ano falando sobre isso, nada melhor que comentando sobre um ótimo filme. Na semana passada, em Santos, tive a grata surpresa de ver em cartaz Procurando Elly. Aliás, nos últimos anos sempre tenho assistido a bons filmes nesta cidade. No ano passado foi lá que vi Se fosse você 2, que até estou com vontade de rever.
Um filme de suspense de altíssima qualidade, recheado de diálogos ásperos e interpretações viscerais do elenco, Procurando Elly surpreende desde a cena inicial, num roteiro pouco convencional. A trama se passa no Irã e mostra uma viagem de grupo de amigos bem-humorados e cheios de entusiasmo, numa atmosfera bem leve e descontraída – mostrando, por sinal, uma faceta que eu não esperava daquele país, ainda mais com carros franceses e o uso do celular, aparentemente tão ocidentalizado.
O grupo de amigos, formado por alguns casais e crianças, sai de Teerã para passar um fim de semana numa casa na praia. Fazem parte da turma, dois solteiros, Ahmad, um cara recém divorciado que mora na Alemanha e a Elly do título, uma professora da filha da ingênua Sepideh, que promoveu o encontro entre os solteiros. Os amigos de Ahmad armam algumas situações para que os dois possam se conhecer melhor, mas Elly demonstra uma certa timidez e se esquiva um pouco, e de uma hora para outra insiste que precisa ir embora. Porém, a amiga tenta fazer de tudo para impedir. E sem explicação aparente, Elly desaparece.
A partir daí o clima muda, fica sombrio, vertiginoso, confuso e tenso. Vários personagens acusam um ou outro pelo desaparecimento da moça, chegando a exibir o lado escuro de suas personalidades, mostrando suas desavenças, cada um procurando livrar a própria cara, até que iniciam uma investigação para tentar encontrar Elly.
Aos poucos, entre verdades e mentiras, permeadas de críticas contra a pobre da moça, surgem algumas surpresas que fazem a gente perceber que há muito mais por trás do misterioso sumiço de Elly. Os personagens e nós, passivos espectadores, tal como eles, todos aflitos, descobrem quem realmente era Elly. Ao mesmo tempo, vamos entendendo melhor os costumes e os conflitos éticos e culturais iranianos, com dogmas tão arraigados e difíceis de serem superados. Além de ficar muito mais evidente o quanto a omissão pode ser bem mais destrutiva que qualquer outra coisa. Principalmente num país fundamentalista onde a mulher iraniana não tem vontade própria, passando obrigatoriamente por situações hostis.
Numa narrativa tortuosamente arquitetada, numa direção preciosa de Asghar Farhadi, num roteiro com detalhes apenas aparentemente casuais, a gente acompanha profundamente o desespero de cada um e o quanto um simples passeio pode se tornar um inferno. Eu, particularmente, me coloquei lá dentro da casa, chocado e intensamente curioso com o que aconteceu com ela. E no final, quando estão tentando tirar um carro atolado na areia da praia, me vi rindo silenciosamente da situação dos personagens, pois a cena, ironicamente, sintetiza de forma emblemática o estrago que os dias que, outrora, foram reservados para alegria e prazer provocaram no sentimento de todos.
Destaco especialmente uma outra cena. É quando Elly está brincando com as crianças, empinando uma pipa na praia. A sequência é espetacular, com a câmera acompanhando a personagem, com cortes abruptos, mostrando Elly indo e vindo, rindo, toda contente, leve e solta e, num dado momento, tudo isso é interrompido sem maiores explicações.
Outra coisa que destaco é a fotografia do filme. As cenas, na primeira parte, são bem iluminadas, ambientando a alegria. Já na segunda parte, são escuras, para exaltar a tensão que o roteiro exige. Tudo isso são detalhes que enriquecem este filme que é cinema puro. Além de apresentar um ótimo retrato das relações humanas, contribuindo, assim, à reflexão sobre as nossas próprias relações. Recomendo. Não perca a chance de assistir, especialmente se você curte filmes não hollywoodianos. Pena que não se vê muito disso nos cinemas brasileiros.
Um comentário:
Olá Márcio, tudo bem?
Obrigado pelos elogios do blog.
Realmente está parado o blog, e é por preguiça mesmo. Tenho lido mais que do escrito, então está desatualizado mesmo.
Quem sabe não é uma injeção de ânimo que eu preciso...?
Escrevo também em www.aminadocara.blogspot.com; lá são crônicas e outras coisas. Tem algums sobre livros também.
grande abraço e parabéns pelo seu blog também, boas ideias são sempre bem-vindas.
Márcio
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