Um amigo convidou-me a ver o
filme, sobre o qual sabia pouca coisa a não ser um pedaço de uma entrevista de
Marília Gabriela com Selton Melo, que vi numa zapeada rápida num fim de noite e
que me instigou a querer saber mais.
Gosto das coisas que Selton
Melo faz. Divirto-me às terças-feiras com a tal “Mulher invisível”, de sua
direção, onde dá pra captar um jeito diferente de mostrar situações banais,
engraçadas, mas reais.
Selton superou-se neste filme. Mostrou-se
dono de uma sensibilidade sem igual e aprisiona o telespectador fazendo com ele
uma conexão de sintonia fina. Logo me lembrei de “Noites de Cabíria” (Fellini)
com Giulietta Masina. Aquele realismo intimista que nos pega de surpresa, e nos
atinge.
Apesar dos palhaços, o filme me
causou tristeza. E é nesta antítese, creio eu, que reside toda sua beleza.
A simplicidade comovente das
personagens, do cenário, das locações; um Brasil que nos esquecemos que ainda
existe em algum ponto do mapa convivendo lado a lado com a modernidade das
metrópoles.
Aquele cenário mineiro com as
serras azuladas, contornando o horizonte... os campos... as casas pobres.
Pobres, não, miseráveis. A caipirice bonita e singela dos excluídos que ainda
são tantos me levou a Guimarães Rosa e sua frase que amo: “... Dá-me um silêncio
e eu conto”.
Tocante, pelo menos pra mim,
foi a preocupação do personagem com a necessidade do outro; ora era o sutiã que
a gorda senhora precisava que não lhe saía da cabeça, e tentava consegui-lo das
formas mais esdrúxulas; ora, era o ventilador que lhe ocupava os pensamentos
como num delírio.
Um filme que conseguiu se impor
com poucas palavras, sem “purpurina” alguma, o que desmente a canção de Gil: ”quanto
mais purpurina, melhor”. Nenhum efeito especial tão em moda, que faz o delírio
de Hollywood. Apenas um sentimento dramático, intenso, imenso, permeava entre
as personagens, tanto quando estavam tentando viver com dignidade de
sobreviventes, “suas próprias vidas”, em suas casas de lona, ou quando se
travestiam escondendo seu verdadeiro eu nas máscaras de suas “personas,” e
entravam em cena. O olhar, o jeito de falar, o
sorriso ou o choro, o tom da voz denotavam uma carga grande de dramaticidade em
meio à simplicidade.
Aqueles encontros após o
espetáculo, quando sozinhos, ou aos pares amorosos, cantavam, riam, brincavam
ao som de um violão solitário, foi aprisionador para a sensibilidade de
qualquer mulher intuitiva. Donde concluí que a felicidade independe de hora e lugar.
Só depende de instantes. E cada qual consegue segurar o seu quinhão seja a que
preço for, mesmo que por momentos.
Aquela lona rota, as roupas
meio esfarrapadas, a falta de “glamour” contrastavam com a garra, a coragem, a
lealdade, a amizade. Contrastou, também, em meio a tanta grandeza, a safadeza da
mulher que enganosamente pensava estar trapaceando o homem que a amava. Que
engano. Trapaceou-se a si própria.
É o tal feitiço virando contra
o feiticeiro.
Engraçado, como o coração
humano se acostuma com situações as mais perversas. Isto se aplica a todas as
fases, épocas e meandros da vida.
Aquele sol escaldante, aquela
estrada poeirenta, aquele caminhão caindo aos pedaços, os diferentes sonhos
dentro de cada coração, a luta pelo existir, pelo simplesmente ser, onde o ter
não ocupava qualquer resquício de espaço.
Sempre alguém querendo se
aproveitar da situação e tirar algum proveito. O prefeito que queria fazer do
filho um “Olavo Bilac” das Gerais, o fiscal da prefeitura que queria ingressos
de graça. Um agir bem “macunaíma", bem ao espírito do caráter brasileiro.
Não sei explicar direito, mas
esse bater de frente com toda essa realidade que agora nos foge à vista, mas,
até alguns anos atrás, tão comum no interior do país, me deixou mexida. Apesar das risadas que dei com
algumas situações, saí triste do cinema.
E acabei me lembrando da célebre
frase de John Donne: “Por quem os sinos dobram”? Eles dobram por mim mesma.
Maldita lucidez!
Ercília Pollice
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Este filme me tocou
profundamente. Selton Mello teve como principal objetivo, na criação do roteiro
e na direção segura, tocar o âmago de cada espectador. Com certeza ele não
conseguiu o seu intuito com a grande maioria, pois este tipo de sensibilidade,
precisa e interpretativa, é reservada para um determinado grupo.
A minha amiga Ercília, autora
do texto, faz parte deste grupo, pois exaltou o filme com muita propriedade, de
forma aguçada, pertinente e coerente com a narrativa da película, que é a de
mostrar a realidade dos artistas circenses de outrora e de hoje. Além de
procurar mostrar, também, as esperanças, os erros e acertos, as perseveranças,
e, principalmente, as tristezas que, obrigatoriamente ou não, estes artistas
dividem com a comicidade. Decidiram viver divertindo e alegrando os outros, e
assim, simplesmente vivem.
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Hoje, 10 de dezembro, é
comemorado o Dia do Palhaço, parabéns a estas pessoas que preenchem as vidas
das crianças de uma encantadora alegria.
Márcio Luiz Soares