sábado, 10 de dezembro de 2011

O Palhaço





Um amigo convidou-me a ver o filme, sobre o qual sabia pouca coisa a não ser um pedaço de uma entrevista de Marília Gabriela com Selton Melo, que vi numa zapeada rápida num fim de noite e que me instigou a querer saber mais.

Gosto das coisas que Selton Melo faz. Divirto-me às terças-feiras com a tal “Mulher invisível”, de sua direção, onde dá pra captar um jeito diferente de mostrar situações banais, engraçadas, mas reais.

Selton superou-se neste filme. Mostrou-se dono de uma sensibilidade sem igual e aprisiona o telespectador fazendo com ele uma conexão de sintonia fina. Logo me lembrei de “Noites de Cabíria” (Fellini) com Giulietta Masina. Aquele realismo intimista que nos pega de surpresa, e nos atinge.

Apesar dos palhaços, o filme me causou tristeza. E é nesta antítese, creio eu, que reside toda sua beleza.

A simplicidade comovente das personagens, do cenário, das locações; um Brasil que nos esquecemos que ainda existe em algum ponto do mapa convivendo lado a lado com a modernidade das metrópoles.

Aquele cenário mineiro com as serras azuladas, contornando o horizonte... os campos... as casas pobres. Pobres, não, miseráveis. A caipirice bonita e singela dos excluídos que ainda são tantos me levou a Guimarães Rosa e sua frase que amo: “... Dá-me um silêncio e eu conto”.

Tocante, pelo menos pra mim, foi a preocupação do personagem com a necessidade do outro; ora era o sutiã que a gorda senhora precisava que não lhe saía da cabeça, e tentava consegui-lo das formas mais esdrúxulas; ora, era o ventilador que lhe ocupava os pensamentos como num delírio.

Um filme que conseguiu se impor com poucas palavras, sem “purpurina” alguma, o que desmente a canção de Gil: ”quanto mais purpurina, melhor”. Nenhum efeito especial tão em moda, que faz o delírio de Hollywood. Apenas um sentimento dramático, intenso, imenso, permeava entre as personagens, tanto quando estavam tentando viver com dignidade de sobreviventes, “suas próprias vidas”, em suas casas de lona, ou quando se travestiam escondendo seu verdadeiro eu nas máscaras de suas “personas,” e entravam em cena. O olhar, o jeito de falar, o sorriso ou o choro, o tom da voz denotavam uma carga grande de dramaticidade em meio à simplicidade.

Aqueles encontros após o espetáculo, quando sozinhos, ou aos pares amorosos, cantavam, riam, brincavam ao som de um violão solitário, foi aprisionador para a sensibilidade de qualquer mulher intuitiva. Donde concluí que a felicidade independe de hora e lugar. Só depende de instantes. E cada qual consegue segurar o seu quinhão seja a que preço for, mesmo que por momentos.

Aquela lona rota, as roupas meio esfarrapadas, a falta de “glamour” contrastavam com a garra, a coragem, a lealdade, a amizade. Contrastou, também, em meio a tanta grandeza, a safadeza da mulher que enganosamente pensava estar trapaceando o homem que a amava. Que engano. Trapaceou-se a si própria.

É o tal feitiço virando contra o feiticeiro.

Engraçado, como o coração humano se acostuma com situações as mais perversas. Isto se aplica a todas as fases, épocas e meandros da vida.

Aquele sol escaldante, aquela estrada poeirenta, aquele caminhão caindo aos pedaços, os diferentes sonhos dentro de cada coração, a luta pelo existir, pelo simplesmente ser, onde o ter não ocupava qualquer resquício de espaço.

Sempre alguém querendo se aproveitar da situação e tirar algum proveito. O prefeito que queria fazer do filho um “Olavo Bilac” das Gerais, o fiscal da prefeitura que queria ingressos de graça. Um agir bem “macunaíma", bem ao espírito do caráter brasileiro.

Não sei explicar direito, mas esse bater de frente com toda essa realidade que agora nos foge à vista, mas, até alguns anos atrás, tão comum no interior do país, me deixou mexida. Apesar das risadas que dei com algumas situações, saí triste do cinema.

E acabei me lembrando da célebre frase de John Donne: “Por quem os sinos dobram”? Eles dobram por mim mesma.

Maldita lucidez!


Ercília Pollice

* * *

Este filme me tocou profundamente. Selton Mello teve como principal objetivo, na criação do roteiro e na direção segura, tocar o âmago de cada espectador. Com certeza ele não conseguiu o seu intuito com a grande maioria, pois este tipo de sensibilidade, precisa e interpretativa, é reservada para um determinado grupo.

A minha amiga Ercília, autora do texto, faz parte deste grupo, pois exaltou o filme com muita propriedade, de forma aguçada, pertinente e coerente com a narrativa da película, que é a de mostrar a realidade dos artistas circenses de outrora e de hoje. Além de procurar mostrar, também, as esperanças, os erros e acertos, as perseveranças, e, principalmente, as tristezas que, obrigatoriamente ou não, estes artistas dividem com a comicidade. Decidiram viver divertindo e alegrando os outros, e assim, simplesmente vivem.

*
Hoje, 10 de dezembro, é comemorado o Dia do Palhaço, parabéns a estas pessoas que preenchem as vidas das crianças de uma encantadora alegria.

Márcio Luiz Soares

Um comentário:

Marcello BBlanc disse...

Filme muito bom, simples, terno, poético e nem vi a hora passar. saí refletindo sobre a vida, sobre a dificuldade da vida de quem vive desse tipo de arte. triste. gostei do texto da Ercilia, sintetizou muito bem e quem não assistiu, basta ler isso aqui pra querer ver. abração.