Quando ele viu a moça de vestido estampado pela primeira vez foi num leve esbarrão perto da fila de ingressos de um cinema, dentro de um shopping center. Houve uma repentina e magnética troca de olhares. Em questão de milésimos de segundos, houve mais do que uma troca, houve um interesse, um leve desejo, uma cobiça. Um braço a puxou para o outro lado. Era da amiga dela, com o namorado, apressando-a. Ele retomou seu curso, mas não resistiu uma olhada para trás. Ela fez o mesmo. Não houve sorrisos. Apenas interesse. Ela sumiu na multidão. Ele então comprou o ingresso.
Trinta minutos para o início do filme. Decidiu comprar algumas guloseimas. Durante o percurso tentou avistar a moça do vestido estampado - aquela garota mexeu com ele. A procurou por todos os lados. Sem êxito.
Quando entrou na sala do cinema, já nem lembrava mais da moça. Escolheu um lugar próximo ao corredor, entre as colunas de poltronas. Não podia saber, mas foi o melhor lugar que poderia ter escolhido.
Durante as divulgações de outros filmes, não deixou de perceber que uma pessoa parou na escada do corredor e que o observava. Era ela. A moça do vestido estampado de minutos antes. A moça do leve esbarrão. Ela o fitava, meio que surpresa, mas não menos do que ele. Houve aquela troca outra vez. Seus olhares pareciam congelados. Mais uma vez, durou pouco. Logo as luzes se apagaram e ficaram na penumbra. A mesma voz, da amiga com o namorado, a chamou para sentar. Ele não se conteve e a procurou. Ela também sentou ao lado do corredor, mas no sentido oposto, como se fosse para permitir que ele a visse. Ela cruzou as pernas. Ele não soube se ela fez isso de propósito, para seduzi-lo, pois ela olhava para a amiga com o namorado. A intensa e clara luz do início do filme o ajudou a reparar que ela era dona de pernas atraentes. Instigando ainda mais. Excitando ainda mais.
Sentido-se tentado, quis convidá-la para sentar-se ao lado dele. Não, isso seria muito abusado de minha parte, pensou.
Ah, o filme! Um filme muito interessante! Logo se distraiu com ele. A moça do vestido estampado não pareceu estar mais distante em seus pensamentos, esquecida devido ao filme. Apenas na espera. Seu desejo ficou em stand by.
Não demorou muito a moça do vestido estampado passou ao seu lado, apressada, procurando a saída que lhe pareceu difícil de encontrar. Ele pensou em ajudá-la, e, talvez, ir embora com ela - mesmo sendo tão cinéfilo. Estava querendo entender o motivo de tanto desejo que parecia ser tão recíproco. No entanto, ela conseguiu encontrar a saída. Ele se arrependeu de não ter descido.
Mas ela estaria mesmo indo embora? Não. Mas ela perdeu uma parte muito interessante do filme, pensou ele. Por pouco não tomou coragem de pedir para sentar ao seu lado. Esse pouco não ajuda em nada! Nunca!
Sentiu vontade de ser mais audacioso. Ou de voltar a ser. Exatamente como era na sua juventude quando o desejo aflorava com muita intensidade. Sempre foi tímido, exceto quando sentia uma atração muito forte e, principalmente, se fosse correspondido. Não tinha medo do não. O que importava era tentar. Se não tentasse jamais saberia se daria certo. E tinha que tentar saciar seus desejos. Quando não seguia em frente, ficava puto consigo mesmo. Coisa que não sentia quando recebia um não. O azar era da dona do não.
O filme foi longo. Mas nem saberia disso, se não quisesse ver a moça do vestido estampado outra vez. Maldita multidão apressada! Ele a perdeu de vista.
Já fora do cinema, decidiu ver as novidades numa livraria antes de ir embora. Estava perdido em seus pensamentos, quando sentiu o cheiro de um perfume deliciosamente inebriante e um braço encostar no dele enquanto estava na escada rolante. Era a moça do vestido estampado. Conversava com a amiga com o namorado e parecia nem ligar para quem estava do lado. Parecia. Mas estava ligada e muito.
No piso superior, os olhos da moça procuraram por ele. Nem a multidão deixou que ele perdesse isso, aumentando seu desejo de querer conhecê-la, de querer saciar essa fome que despontava inexoravelmente. Ela continuava procurando seus olhares. Duas vezes. Três vezes. Quatro. Três vezes quatro.
Iria sorrir e acenar para ela. Convidaria para se aproximar.
Repentinamente, um esbarrão. Um maldito de um esbarrão! Dois rapazes pararam de supetão e o impediu de continuar. A multidão foi cruel com ele de novo. Pensou ter perdido a moça do vestido estampado de vez. Resolveu encarar os fatos. Não passava de uma paquera tola e infrutífera. Mais uma de tantas.
Só que essa era diferente. Tinha algo mais.
Ah, sim. A livraria. Estava chegando perto. Dessa vez sua mão roçou no quadril de alguém. Não durou mais do que um segundo, mas sentiu uma certa eletricidade, como se já conhecesse aquele quadril, como se reconhecesse a maciez do tecido do vestido estampado!
Era ela novamente. Não! Ela deve estar de brincadeira comigo! Pensou ele, com satisfação. Será que era o seu dia de sorte? Só tentando. A chamaria para entrar na livraria com ele, sem se importar com a amiga com o namorado.
De novo, outro esbarrão. Dessa vez, alguém esbarrou na moça do vestido estampado. Uma massa enorme, disforme, redondamente esdrúxula. Uma mulher que mais parecia um obstáculo, uma parede. Um ser terrivelmente estabanado que a tirou do caminho dele!
Ele se aproximou da livraria. Ela não. Estava meio que rindo, meio que xingando a dona da massa enorme. Mas também parecia estar procurando algo. Olhava para um lado, para outro, para frente e para trás. Mas ele estava um pouco mais para trás, à sua direita. No único lugar em que ela não olhou.
Ele olhou. Para ela. Observando a moça do vestido estampado ir embora. Distante. Pequena.
Seguir? Não. Não deve ter passado de uma simples e tola paquerinha. Uma brincadeirinha. Incapaz de machucar, de ofender, de iludir.
Uma semana depois, lá estava ele outra vez. Ia em direção ao cinema desejando outro leve esbarrão.
Haveria uma nova troca de olhares. Com a mesma moça. Mas desta vez não deixaria que um braço a puxasse. Não precisaria olhar para trás. Faria que ela ficasse perto dele, sorriria para ela, a cumprimentaria e falaria com ela como se fosse íntimo. E tudo aconteceria porque a amiga com que ele comentou o caso o motivou e o intimou a ir ao mesmo lugar e na mesma hora. Confiante, certo de que ela, a moça do vestido estampado, pensaria a mesma coisa, desejaria a mesma coisa, e que também teria a mesma certeza que ele.
Ele não teve medo de não a reconhecer. De certo ela não estaria usando o mesmo vestido estampado. Seria melhor se ela usasse. Facilitaria muito. Mas seria querer demais.
O vestido estampado parecia fazer parte do seu corpo. O desejo não foi provocado pelo vestido estampado, mas a excitação sim. Algum dia pediria para ela usar. E pediria ainda mais. Pediria para entrar no cinema com o mesmo vestido. Pediria para cruzar as pernas da mesma maneira. Ele iria olhar para trás exatamente como fez antes. Desta vez se levantaria. Sentaria ao lado dela. Sentiria a maciez do tecido em sua mão. Sentiria o calor do corpo tão desejado. Sentiria, numa proximidade estonteante, o cheiro da nuca da moça do vestido estampado, da mesma forma que desejou da primeira vez. Teria que ser o mesmo perfume. O mesmo perfume agradável que o inebriou na escada rolante.
Ele não teve medo de não a reconhecer. Se não fosse pelo vestido, seria pelo cheiro. Não o cheiro do perfume na escada rolante. O cheiro que nunca percebemos que sentimos. O feromônio. Aquele cheiro que os animais distinguem a milhas de distância, mas que somos incapazes de perceber que nos afeta, que nos impulsiona, nos deixando inebriados e confusos, criando um desejo por vezes incontrolável.
Não. Não podia acreditar que isso bastasse. Precisaria de mais. Precisaria ficar de olho. Precisaria movimentar a cabeça para todos os lados, como um segurança a procura de um suspeito. Precisaria prestar atenção a cada mulher que passasse por ele. Precisaria passar nos mesmos lugares. Precisaria de um leve esbarrão para saber que se tratava da mesma moça do vestido estampado.
Não. Definitivamente não precisaria de nada disso. Seguiria pelo mesmo caminho, sim. Pagaria pelo ingresso. Sairia para comprar as mesmas guloseimas. Faria o mesmo caminho de volta ao cinema. A moça do vestido estampado estaria por perto.
O pensamento estava firme e confiante. Exatamente como sua amiga pediu para fazer. E ele fez. Durante todos os dias, a semana toda, várias vezes por dia. Ele acreditava piamente nisso.
Olhou no relógio do telefone celular. A sessão começou. Estava numa outra sala, numa outra sessão.
Não. Ela não iria ver o mesmo filme. Nem ele.
Ela não quis ver o mesmo filme que ele.
A escada rolante não lhe passou o cheiro do perfume.
A multidão não o ajudou e nem o atrapalhou desta vez.
Não houve esbarrão.
Márcio Sclinder
3 comentários:
seja bem-vindo de volta Sclinder!!! rs gostei do texto pra caramba, meu amigo! retratou bem: a esperança é a última que morre mesmo. abração
ACHO QUE EU CONHEÇO ESTA ESTÓRIA ... BJUS
Márcio!
Belo texto!
Simplesmente delicioso!
Muito louco isso, quando acontece, e só acontece se nos permitimos,
deixa uma certa excitação no ar, no corpo, na vida!
Interessante ver por dentro do masculino, a construção do imaginário, as sensações...
Uauuu!
Parabéns!
Bjus
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