Comecei a ficar mais atenta às verdadeiras razões dos meus choros, que, aliás, costumam ser raros. Já aconteceu de eu quase chorar por ter tropeçado na rua, por uma coisa à-toa. É que, dependendo da dor que você traz dentro, dá mesmo vontade de aproveitar a ocasião para sentar no fio da calçada e chorar como se tivéssemos sofrido uma fratura exposta.
Qualquer coisa pode servir de motivo. Chorar porque fomos multados, porque a empregada não veio, porque o zíper arrebentou bem na hora de sairmos pra festa. Que festa, cara-pálida? Por dentro, estamos em pleno velório de nós mesmos, chorando nossa miséria existencial, isso sim. Não pretendo soar melodramática, mas é que tem dias em que a gente inventa de se investigar, de lembrar dos sonhos da adolescência, de questionar nossas escolhas, e descobre que muita coisa deu certo, e outras não. Resolve pesar na balança o que foi privilegiado e o que foi descartado, e sente saudades do que descartou.
Normal, normalíssimo. São aqueles momentos em que estamos nublados, um pouco mais sensíveis do que gostaríamos, constatando a passagem do tempo. Então a gente se pergunta: o que é que estou fazendo da minha vida? Vá que tudo isso passe pela sua cabeça enquanto você está trabalhando no computador. De repente, a conexão cai, e em vez de desabafar com um simples palavrão, você faz o quê? Cai no berreiro. Evidente.
Eu sorrio muito mais do que choro, razões não me faltam para ser alegre, mas chorar faz bem, dizem. Eu não gosto. Meu rosto fica inchado e o alívio prometido não vem. Em público, então, sinto a maior vergonha, é como se estivesse sendo pega em flagrante delito. O delito de estar emocionada. Mas emocionar-se não é uma felicidade? Neste admirável mundo de contradições em que a gente vive, podemos até não gostar de chorar, mas trata-se apenas da nossa humanidade se manifestando: a conexão do computador, às vezes, cai; por outro lado, a conexão conosco mesmo, às vezes, se dá.
Sendo assim, sou obrigada a reconhecer: chorar faz bem, não importa o álibi. É sempre a dor do crescimento.
Martha Medeiros
Extraído do seu livro Coisas da Vida
* * *
Imagem: I saw you cry, de alineblood [Deviantart]
2 comentários:
Oi meu amigo,
A Martha falou por mim agora, principalmente quando diz que mais sorri que chora. Acho que ela deve ser igual à mim, quando não chora quando tropeça numa pedra e nem doeu tanto, deve chorar escondidinha.rss Acho que é o reflexo do Outono.
Estou tentando jogar a culpa em alguém, ou algo.
Concordo com ela que chorar, faz bem. Mas sorrir é bem melhor, nós ficamos mais belas, e com certeza levamos mais luz e alegria para as pessoas ao nosso redor.
Fica com Deus!
Beijos
da amiga de sempre!
Maggie
Que texto maravilhoso.
Adorei!
Tem dias que invento de me investigar; sim, choraramos mesmo. E concordo com você: "É sempre a dor do crescimento"
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