Meu primeiro celular parecia um
tijolo. Difícil de carregar. Pior ainda, de funcionar. A linha vivia com sinal
de ocupado. Mesmo assim era um luxo! Lembro quando liguei pela primeira vez
para minha amiga Vera:
— Estou em Brasília, no meu
celular — contei.
— Também quero um! — ela
gritou, entusiasmada.
De novidade, tornou-se
essencial. Agora esses aparelhos são mínimos, fotografam, tocam músicas e
acessam a internet. Viver sem um é estar desconectado. No fim do mês vem a
conta. Sempre me assusto! As operadoras oferecem pacotes. E de pacote em pacote
às vezes eu me sinto embrulhado! Compro por puro entusiasmo uma série de
serviços que não uso depois! Um amigo meu tem três celulares. Durante um
jantar, falava em todos ao mesmo tempo, enquanto eu tentava conversar. Imagino
a conta!
A cada dia inventam algo que
imediatamente se torna indispensável. Impossível encontrar um adolescente que
não sinta necessidade de um laptop. Se não tem, voa para uma lan house. A internet
ficou tão importante quanto as calças que estou vestindo. O laptop de um jovem
ator quebrou às vésperas de ele sair em turnê pelo país com um espetáculo. Está
desesperado.
— Vou perder meu contato com o
mundo!
É verdade! E-mails, redes de
relacionamento e blogs são vitais para boa parte das pessoas. Tudo isso custa:
o orçamento cresce em eletricidade, conexões de banda larga e equipamentos — os
avanços são rápidos, é preciso renovar sempre. Falando em avanços: um amigo
formou uma excelente coleção de clássicos de cinema em vídeo. Jogou fora e
iniciou outra ao surgir o DVD. Agora veio o Blu-ray. O coitado quase explodiu
de tão estressado! Mas é impossível permanecer com o equipamento antigo. Em
pouco tempo some das lojas. Toca comprar tudo novo!
A TV por assinatura tornou-se
um sonho de consumo. E os televisores em si? Todo dia fico sabendo de uma tela
maior, mais fina e com melhor imagem. Sem falar nos eletrodomésticos, mais e
mais sofisticados. Quando comprei o meu primeiro freezer, há muito tempo, um
amigo riu:
— Para que uma coisa dessas?
Hoje ninguém dispensa um
freezer. Qualquer item da vida pode se sofisticar: faz-se café expresso em
casa, sorvete, iogurte e até pão. Ninguém tem tudo, é fato. Mas todo mundo
tenta ter algum novo e fantástico produto!
Passada a garantia, é difícil
consertar qualquer aparelho. O preço raramente compensa. E logo quebra de novo,
mesmo porque muitos técnicos de antigamente perderam o pé nos digitais!
Viver ficou muito mais caro.
Antes eu parava o carro na rua, agora é Zona Azul ou estacionamento particular;
os cinemas aumentaram o valor dos ingressos porque investem em tecnologia;
cabeleireiros sofisticaram os produtos; banho em cachorro é melhor no pet shop;
é essencial um cartão de crédito, mas vem a anuidade. Além de um bom plano de
saúde, é ideal também um de aposentadoria. Tenho certeza: daqui a pouco
descobrirei algo absolutamente essencial de cuja existência até agora não tinha
o menor conhecimento!
Mas os salários não subiram na
mesma proporção. No passado era mais fácil cortar gastos. Agora, não. Muitas
despesas não podem mais sair do orçamento. Contatos profissionais, bancários e
muitos serviços públicos acontecem através de celulares e da internet. Já
conheci gente com falta de dinheiro para comer, mas sem poder abdicar do
celular!
Walcyr Carrasco
Revista Veja São Paulo
(10/03/2010)
* * *
Imagem: site Jootix
2 comentários:
Não, realmente não dá mais pra viver sem a tecnologia de hoje. inimaginável um mundo sem internet, sem celular, sem tv, sem tantas coisas!!
e que imagem vc escolheu, meu amigo! tudo a ver esse botão de "ligar"!! maneríssima!! rs
abração
Cello, também não vai dar pra viver sem a tecnologia de amanhã, meu amigo! rs
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