“Eu
deitava a cabeça no colo da menina,
E
ela passava as mãos nos meus cabelos...
Era
meu primeiro alumbramento!”
Manuela
Bandeira – Recife
Fazendo um retrocesso em minha
memória, fiquei pensando, neste início de ano, o que precisaria acontecer para
que o homem contemporâneo se sentisse mais feliz e menos confuso, mais alegre e
menos ansioso, mais simples e menos complicado, mais verdadeiro e menos
fingidor em seus anseios, desejos, sonhos e expectativas.
Comecei a me lembrar de como
sempre conseguia me deslumbrar com pequeninas coisas. Como fatos corriqueiros
sempre me fizeram sentir encantamento. “Era tudo um alumbramento”, no dizer do poeta.
Percebo, então, que de um modo
geral, o mundo perdeu o senso de assombro. Crescemos, foi isto? Já não perdemos
o fôlego diante de um arco-íris, ou do perfume de um jasmim (alguém, porventura,
ainda conhece jasmim?), como acontecia antes. Prova disso é ouvirmos as letras
de música destes tempos.
Já não temos tempo de olhar
para as estrelas, e duvido que algum jovem de hoje, saiba achar no céu o
Cruzeiro do Sul ou as Três Marias, só para dar um exemplo. Os astros que eles
reconhecem são outros.
As estrelas já não nos
encantam, não mais temos tempo pra vê-las, nem, tampouco, formar figuras com
nuvens, e além do mais, agora, já sabemos que a Lua não é feita de queijo, que
pena!
As tempestades já não nos
causam assombro, os aviões voam acima ou abaixo delas, e os satélites reduzem-nas
a fotos. Só os desabrigados se importam e as temem! Simplesmente temos dados,
temos estatísticas, temos certezas científicas, algumas nem tão boas... mas não
nos assombram!
Nossa alma, parece-me, ficou
vazia de significados e nosso coração falto de encantamento.
O novo nos impressiona hoje,
até que algo mais novo ou sensacional surja em cima dele.
“À medida que a civilização
avança o senso de assombro declina”. (Rabino
Heschel).
Nosso mundo é saturado com a
graça, e a presença furtiva de Deus é revelada não apenas no espírito, mas,
também, na matéria. Por que nos privamos de vê-la?
Nunca quero deixar-me cegar e
não mais me encantar com as folhas secas que formam tapetes dourados, quando
caem no outono, nem com o colorido que as flores dos ipês mancham o chão nas
manhãs de primavera. O que dizer, então, da grama orvalhada ou de um crepúsculo
dourado arrematando o dia numa tarde de verão?
Ah! As pequeninas grandes
coisas que encantam a vida de quem consegue ver a graça de Deus abundando sobre
nossa existência em cada detalhe...
Estamos tão fartos com a
grandeza das coisas belas da natureza, que pisamos sobre flores, sobre douradas
folhas secas, ouvimos os pássaros, molhamos os pés nas ondas do mar, e nem nos
damos conta de que todas essas coisas são graça; esse dom, esse presente dado a
nós, imerecidamente. Sim, pois se é por merecimento, deixará de ser graça.
Meu desejo é que neste início
de ano, nossos corações se abram para a Graça de Deus em nossas vidas, através
de Jesus Cristo e das consolações do Espírito Santo, e que a possamos desfrutar
com corações agradecidos e mentes sábias, abrindo nosso espírito para o Divino
espalhado em todo nosso redor, especialmente na vida das pessoas afetuosas que
nos cercam. Usemos o dom maior - o amor - pois, no dizer do apóstolo Paulo: “Tudo
passa, menos o amor”, a maior graça concedida pelo Pai a nós, maravilhosa
graça, que jamais se afasta de nós, ainda que não correspondamos aos seus
apelos.
Só o poder do assombro poderá
nos salvar de vivermos vidas vazias de significados que nos devolvam o dom de
ser felizes, apesar das vicissitudes, pelas quais temos de passar, pois fazem
parte desse nosso viver.
Quero me assombrar de novo!
Quero de novo enxergar com o coração! Quero amar a vida que mesmo que para
alguns pareça sem graça, para mim é encantada, pois vem de Deus.
Ercília Pollice