sexta-feira, 31 de dezembro de 2010
Muito tudo!
segunda-feira, 27 de dezembro de 2010
domingo, 26 de dezembro de 2010
Desafios da Lua
sábado, 25 de dezembro de 2010
sexta-feira, 24 de dezembro de 2010
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
A mente de Tarantino
terça-feira, 21 de dezembro de 2010
Alter ego
Bill - Como você sabe, eu gosto muito de revistas em quadrinhos. Especialmente aquelas sobre super-heróis. Considero toda a mitologia envolvendo super-heróis fascinante. Veja meu super-herói favorito, o Super-Homem. Não é uma ótima revista, não foi bem desenhada, mas a mitologia... A mitologia não só é ótima, é única.
Beatrix - Quanto tempo esta merda leva para fazer efeito?
Bill - Uns dois minutos. O bastante para eu concluir meu raciocínio. Daí que a base da mitologia do super-herói é que há super-herói e há o alter ego. Batman, na verdade, é Bruce Waine. O Homem-Aranha é Peter Parker. Quando o personagem acorda de manhã ele é Peter Parker. Ele tem de vestir uma fantasia para se tornar o Homem-Aranha. E é por causa desta característica que o Super-Homem se destaca. O Super-Homem não se tornou Super-Homem. O Super-Homem nasceu Super-Homem. Quando o Super-Homem acorda, ele é o Super-Homem. O alter ego dele é Clark Kent. A roupa dele, com um grande “S” vermelho, é feita do manto que o envolvia quando os Kents o encontraram. Aquela roupa é dele. O que Kent usa, os óculos, o terno executivo, essa é a fantasia. Essa é a fantasia que o Super-Homem usa para viver entre nós. Clark Kent é como o Super-Homem nos vê. E quais são as características de Clark Kent?
Beatrix - Ele é fraco...
Bill - Ele é inseguro, ele é um covarde. Clark Kent é a crítica do Super-Homem de toda a raça humana.
Diálogo extraído do filme Kill Bill – Volume 2, de Quentin Tarantino.
segunda-feira, 20 de dezembro de 2010
Vingança
sábado, 18 de dezembro de 2010
Mal traçadas linhas
A primeira vez que vi Glorinha, estava na casa da Ritinha. Usava fitas nos cabelos e seus dois olhos verdes saltaram sobre os meus. Foi um encontro casual e eterno. Não consegui ficar em sua presença mais do que um minuto. Foi rápido. O mundo desabou ali mesmo, na frente de todo mundo. Corri para o bardo Tião. Ritinha foi atrás querendo saber o que houve. Eu perdi a respiração e só soube dizer que não houve nada.
A partir daquele dia, seus grandes olhos verdes me perseguiam e os via em todos os olhos, seu rosto sorria em outros rostos e as fitas estavam em todos os cabelos. Glorinha, certamente, era um anjo – (mau, às vezes) – porque se multiplicava em mim e derramava em todo meu corpo – (às vezes bom) – quando penetrava sorrateiro em meu quarto e preenchia meus sonhos.
Glória vivia sempre em mim. Era uma outra pessoa que tinha adquirido, ou o travesseiro que faltava. E Glorinha tornou-se uma obsessão. Ela corria em meu sangue. Acordava comigo e não se separava mais. Tomava o café da manhã, almoçava, jantava e era a principal artista de meus sonhos. Até a bola de futebol passou a se chamar Glorinha e foi por isso que resolvi ser goleiro. Não admitia chutar Glorinha. Preferia agarrá-la. Senti-la em meus braços.
Na escola, a professora era Glorinha, as meninas eram Glorinhas, até a dona Maria da cantina era Glorinha. A imagem de Glorinha me transbordava e fluía em todos os poros. Refletia nos óculos, nos espelhos, nos vidros, nas garrafas de refrigerante. Glorinha me inundava com sua presença, com seus olhos, pelos e cabelos. Glorinha me sugava, me surrava, incomodava. O seu nome me enchia a boca: glorinha, glória, glória minha, Glorinha era a minha glória.
Glorinha domingava em mim e foi num domingo que consegui revê-la. Missa das 10, eram 9h45min. Perambulava no adro da igreja quando Glorinha apontou na esquina. Fiquei em pânico. Minhas pernas tremeram. O coração disparou. Me escondi atrás de uma árvore.
Ela vinha acompanhada de outras meninas e falava sem parar. Estava radiante e vestia vermelho. Ela passou perto da árvore onde estava. Não me viu. O medo e a ansiedade foram tantos que virei raiz, folha, tronco. Era outono e me despenquei lá de cima. Tinha virado uma folha. Uma folha seca. Mas um vento bom não me deixou perdido, à mercê de passos desavisados ou de alguma roda descuidada. A aragem dominical me levou até o templo e me alojou atrás de Glorinha. Se a morte era a glória celeste, Deus em sua infinita sabedoria, provavelmente, não conhecera a Glória terrestre. E ela estava ali, no templo. Perto Dele, orando a Ele, falando a mesma língua Dele.
E quando a missa terminou, ela saiu como entrara, ruidosa. Mas percebi que ela olhou para um rapaz. E aquilo foi um punhal, uma faca de muitos gumes. Fiquei arrasado e meu primeiro ímpeto foi matar aquele sujeito.
E meu dia transcorreu violento. Não almocei nem fui à matinê. Conheci o ciúme.
A noite foi infernal. Arquitetei mil planos para abordá-la. Imaginei cenas, encontros.
Construí diálogos. Ouvi a sua doce voz penetrando em meus ouvidos e dizendo sim, sim, sim. Neste momento virei palavra. E naveguei todo o quarto. E a palavra Glorinha tinha asas. Era um pássaro de mil cores. E sobrevoei o quarto várias vezes e esse pássaro era Glorinha que voava em mim.
O sono veio tarde. Delirei. Glorinha transformou-se em Julieta. Depois em Myriam Lane, em Narda e desfilou em mim com vários nomes. Às vezes tornava-se Rapunzel e ficava na torre inexpugnável, pedindo socorro, lançando as tranças para o príncipe encantado. E este príncipe nunca era eu, pena.
Nesta mesma noite, caminhamos de mãos dadas. Estávamos em silêncio, mudos. O cenário era um pátio de longas paredes que não acabava nunca. Éramos os únicos naquela paisagem. Aproximei-me de seu rosto e ela recuou, negaceou, mas insisti. E quando lábios e olhos se tocaram, tudo evaporou. Acordei.
E Glorinha continuou no ofício de me percorrer, de me perseguir. De me domingar. E Glorinha me dominou durante muito tempo, quando uma idéia luminosa glorificou todo meu sofrimento: escrever uma carta, era a saída.
Rabisquei papéis. Rasguei. Não consegui escrever além de seu nome. Mas o Divino Espírito Santo, a terceira pessoa (ou a segunda?) da Santíssima Trindade, me encheu de luz: na segunda prateleira da estante de meu irmão, descobri um livro, o maior de todos: Cartas de Amor, roubei-o.
Na página 27 estava a minha declaração, a carta que pedira a Deus. O autor era um gênio, descobriu as minhas palavras. Era assim:
Estas mal traçadas são endereçadas àquela que torna meus dias como este céu de abril
(abri a janela e o céu estava horrível, ia chover, e era maio)
você é a Dulcinéia que tanto almejo
(perguntei ao Bolinha quem era Dulcinéia e ele me disse que achava que era a miss Brasil)
sou um cavalheiro errante
(troquei “errante” por “certeiro” porque ela podia achar que era um cara cheio de erros)
te vejo em todos os lugares. Chegou a hora de unirmos nossas solidões.
Teu
Romeu
Assinei, molhei as pontas do envelope com cuspe, surrupiei uns trocados na bolsa da mãe, comprei selo e coloquei a carta no correio com o coração ansioso.
Um mês depois, chegou a carta de Glorinha. Fui com sede ao pote. Abri sem cuidado. E fui lendo:
A resposta está na página 40, do mesmo livro.
Tua
Julieta
Ronald Claver
[A última sessão de cinema, 1986]