“Eu realmente faço tudo pelos
seus desejos?”
Esta pergunta se repete dentro
de mim. Invade meus pensamentos de forma implacável e lamuriante, sempre que a
imagem daquela que é a minha musa, a minha paixão inatingível, surge, do nada, confundindo
meu raciocínio.
Tem sido assim há dias. Ainda no início do conflito em que me vi jogado, me fazendo sentir como se fosse uma
bituca de cigarro abandonada por já ter servido aos seus propósitos, percebi o
quanto podia me afundar cada vez mais - mas tudo estava sendo tão deliciosamente
inebriante! No entanto, a cada confusão mental entremeada de lembranças de
palavras que quiseram se libertar, de atitudes que foram pequenas diante da imensidão
de meus desejos, meus sentidos eram aguçados diante de tudo que é verdadeiramente
belo: das folhas das árvores acariciadas pelo vento; da ópera dos seres alados gracejando da própria alegria, num evidente agradecimento
por existirem; do encantamento da luz solar,
mergulhando entre os espaços, fingindo não encontrar obstáculos e aceitando a
derrota perante o concreto, nem sempre frio, feito pelo homem.
Mas por mais pungente que fosse
todo esse redespertar para a vida, essa sensibilidade apenas servia para
dinamizar a fraqueza diante de uma ilusão alimentada pelos diálogos aquecidos
por um instrumento que encurta distâncias. Esse monstro vil e maravilhoso, ou
maravilhosamente ordinário, feito de códigos binários que se chama internet, que
minimiza as perdas do tempo, que relativiza as ideias, que desafia a emoção, além
de sobrepujar o entendimento daqueles que não se fazem de inocente.
Perdido em mim mesmo, rogo auxilio
a Afrodite, mas sabendo que em breve terei que recorrer a Lilith. Sei que não
terei alternativa, pois já me encontro mergulhado na minha fúria insana provocada
pela efusão.
E a causa disso tudo é por
ainda não ter encontrado a resposta para a pergunta que me coloca em xeque
diante da premissa que escolhi para ser o meu lema de vida, mesmo depois de concluir
que a simplicidade é o melhor modo de viver: "eu faço tudo pelos meus desejos".
Ou o que posso.
Nesse exato momento, lá vem ela
outra vez. Puxo facilmente da memória. Aliás, não faço isso, não preciso. E nem
conseguiria fugir se tentasse. As lembranças simplesmente bombardeiam minha
mente - sua imagem sólida feita de pixels, suas palavras que pouco ouvi, que me
provocam, provam que não fiz o suficiente. Talvez nunca faça. Qualquer
exposição de meus sentimentos não foi capaz de frear sua recusa diante de uma
oferta irrecusável para outras que não existem. Insólito!
Luto, esbravejo em silêncio,
numa vã tentativa de me soltar dessas rédeas que me afogam no mar de angústia,
justamente porque ela, a minha musa quase desconhecida, minha amada inatingível,
ignora meus sentimentos. Apenas sabe que eu existo. E nada mais.
Então, nesse momento inusitado
de desabafo, recebo de mim mesmo, de forma fria e inexorável, a resposta da pergunta que tanto me machuca e corrói por
dentro: “Não, não faço”.
A dor aumentou.
Que Lilith me ajude.
Márcio Sclinder
5 comentários:
Márcio
Que lindo isso! Que jogos de palavras! Jogos que estão em quase todos os parágrafos. Muito bem feito. Amei tudo! Sofri junto com o personagem, senti na pele. Até chorei. Verdade! Também pudera, com essa maneira poética de se expressar, o personagem leva a gente a mergulhar com ele nesse mar de angústia, o que antes era alegria e amor pela vida. Muito bom mesmo. Pelo jeito só recorrendo a Lilith mesmo para se libertar. Uaauuu!! rs rs rs
Parabéns.
Beijos
q texto fantástico, meu amigo! me envolvi pacas! não resisto, tenho q colocar aqui as minhas impressões: os jogos de palavras sensacionais são os lances da bituca; "palavras q quiseram se libertar"; "imensidão dos meus desejos"; o lance todo da natureza; "ilusão alimentada pelos dialogos aquecidos" (cara, essa foi muito manera); o lance todo da internet, realmente tudo é monstruoso, se parar pra pensar é isso mesmo; "imagem sólida feita de pixels" (pra gente ter consciência de que o cara só a conhecia por foto, muito bom!, bela jogada); "oferta irrecusável para outras q não existem" (aqui pode ser "outras" mulheres ou "outras" ofertas, escolho outras mulheres que não existem na vida dele, parece mais condizente);"esbravejo em silencio", aqui tem um ótimo sentido metafórico; o título, brincando com o do filme "minha amada imortal", enfatizando um amor impossível, demais; não sei quem é lilith, mas vou pesquisar rs; tudo q ele lembra, vai e volta, boa sacada; o lance de duvidar q faz tudo pelos desejos e cai na real sentindo q não fez com ela, muito legal tb; o vai e volta do lema dele e a conformação chegando de sopetão, encerrando o processo, sofrendo ainda mais por perceber que não fez e não faz o suficiente, outra sacada. cara, eu tinha q manifestar aqui! pra registrar essa bela narrativa. se quiser, pode apagar! rs sabe q eu tava com saudade do sclinder? ele faz falta por aqui! como vc eu tb gosto dele, assim como de vc, o q é a mesma coisa rs abração
Marcinho, concordo com a Simone em tudo e com o Marcelo também, a narrativa é ótima e as escolhas e joguetes de palavras fazem o diferencial, mas ambos esqueceram de citar que vc narrou uma linda história de amor (inatingível), e que fica pra nós, leitores, decidir (ou nunca descobrir rsrsrs) se um dia ela vai ceder ou descobrir o amor que o cara sente por ela, ou ignorá-lo pra sempre. o inicio/meio/fim da narrativa, pra gente "sentir" o personagem tbem foi bem sacado. ele pedir ajuda pra Lilith tem um toque muito especial, um encerramento perfeito. adorei! eu tava com saudades de um texto seu (ou do sclinder, sei lá, dos dois!!) huahauha valeu, menino, arrasou! bjinhos
A verdade é que nem sempre fazemos tudo pelo nosso desejo, não fazemos por diversos motivos, seja ele cultural, moral, etc... Mas, na verdade, se ouvíssemos mais o nosso coração, não ficaríamos tão aflitos, não sofreríamos tanto. Novamente, a dualidade, o certo;errado, bom;mal, de inúmeros conceitos que aprendemos. Sclinder, ouça somente o coração, aprenda, não é fácil, é um exercício contínuo e complicado, por termos muitos conceitos embutidos... Será que sua musa ignora mesmo? Ou, será que percebeu essa angústia...
Eu arriscaria dizer, que não fazemos TUDO não... mas, não por falta de vontade e, sim, por orgulho, por medo de não sermos correspondidos... E, é aí que deixamos “momentos” passarem... em vão.
Quanto as colocações da Simone, Marcello e Mantha... concordo plenamente com tudo. Você está de parabéns, como sempre!!! Beijaço
Cello, Simone, Samantha e Rosângela. Gostei muito dos comentários e o que concluíram do meu texto. Não sou muito de responder comentários, prefiro fazer isso por e-mail (quando é possível), mas nesse caso, tendo em vista a necessidade de ter que fazer uma ressalva, devendo ser convenientemente registrada aqui, dirigida especificamente ao comentário da Rosângela: embora o texto seja baseado em elementos contundentes, claramente inspirado em fatos corriqueiros, ele é uma obra de ficção.
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