“Se não há luta, não há
progresso."
A
boa terra, da
escritora americana Pearl S. Buck, é um romance surpreendente, intenso, repleto
de sentimentos e de emoções. Um romance de beleza simples. É, acima de tudo, um
vislumbre da vida dos camponeses chineses e das mudanças sociais que afetavam
suas tradições.
Desde o início, o livro
apresenta uma narrativa cativante. O romance começa no dia do casamento de Wang
Lung, um humilde e silencioso camponês chinês que vive com seu pai; sua mãe havia
morrido seis meses antes. Sua noiva, O-lan, que ele ainda não conhecia, é uma
escrava numa casa da alta sociedade, onde Wang adentra totalmente envergonhado
por sua aparência pobre - Wang é um agricultor que carrega o peso de viver uma
existência precária.
Ao longo dos meses, O-lan se
junta a Wang em sua lavoura, mesmo quando engravida. A colheita é próspera. Por
diligência e frugalidade os dois conseguem ampliar sua propriedade. A família
cresce e quando tudo indicava mais e mais prosperidade veio a seca obrigando-os
a tentar a vida no sul do país. Mendigam para sobreviver, no entanto, viver
naquela cidade acaba por ser uma bênção disfarçada para eles. Wang Lung tinha a
convicção de que um dia voltaria para a sua terra e não demorou muito para isso
acontecer.
Wang Lung foi muitas vezes
desprezado por aqueles que tinham instrução ou uma habilidade para o comércio,
e muitas vezes as pessoas o chamavam de "Wang, o agricultor" de forma
depreciativa e seguravam o nariz expressando o desprezo para o alho que ele
comeu. Mas, apesar disso, o pequeno camponês tinha um orgulho muito grande da
terra que possuía, e esse orgulho é a sua característica mais distintiva. A
terra era tudo para ele. Seu discurso final no romance diz respeito à
importância de manter sua terra e nunca vender até mesmo uma pequena parte
dela.
Alguns críticos afirmam que
Pearl S. Buck não escreveu apenas sobre um fazendeiro chinês, mas sobre um
fazendeiro universal, aquele que sabe que suas riquezas e sua segurança vêm da própria
terra. Este conceito dá uma universalidade ao romance. A importância disso tudo
reside no conhecimento que a autora tem da China e dos chineses. Sua vida nas
áreas rurais da China também deu a ela uma visão profunda sobre o pensamento do
camponês chinês, algo que Mao Tse-tung descobriu enquanto planejava sua revolução. A história comprova que o líder comunista, eventualmente, veio a
depender de agricultores como Wang Lung, com a sua força de caráter, como um
núcleo de seus revolucionários.
A autora sutilmente, em leves
passagens, citou os conflitos políticos que a China enfrentava nas décadas de
1920 e 1930 sem se desviar das experiências da família de Wang. O camponês via e pouco entendia do mundo lá fora, e é assim que o leitor o acompanha.
Muitas vezes um escritor
evidencia seu estilo narrativo, Pearls S. Buck preferiu imprimir um tom
jornalístico sem ser documental. E se saiu muito bem. Isto é talento. É talento
por que o autor desaparece por trás dos personagens e eventos, sem interferência,
sem abusos, sem ser comercial e sem oferecer aquela leitura de caráter
comestível, mas sendo ao mesmo tempo - efeito causado pela dinâmica
psicológica, optando em colocar os pensamentos dos personagens no
direcionamento de diversos acontecimentos.
Infortúnios, prosperidade,
erros e acertos permeiam a vida de Wang Lung durante décadas. "Quando a terra
sofre, as mulheres sofrem. Quando as mulheres sofrem a terra sofre." A
autora capturou isso tão bem em seu livro! O-Lan gera seus filhos e encoraja
Wang Lung a prosseguir em seus sonhos, não importando se isso implicaria em sacrifícios
por parte dela. O-lan é tão básica como Wang Lung. No dia do casamento, quando
ela humildemente segue seu marido, ela é vista como um modelo, em alguns aspectos,
da esposa chinesa perfeita: humilde e subserviente. Na verdade, O-lan é tão
silenciosa que Wang Lung nunca sabe o que ela está pensando. É tão engenhosa
que Wang Lung (assim como os leitores) é constantemente surpreendido com a sua
capacidade de se adaptar a todas as situações. Durante muito tempo tiveram
sucesso em suas colheitas. No entanto, com o sucesso vem a ganância e a
corrupção. Eventualmente, ele toma uma segunda esposa e quebra os laços com todos
ao seu redor. O tempo todo O-Lan apoia suas decisões aparentemente de forma
serena e estoicamente suporta tudo. Foi preciso uma tragédia para Wang Lung ver
os erros que cometeu.
Passei a maior parte do tempo da leitura admirando e me alegrando com Wang Lung. Porém, por vezes senti raiva deste personagem exageradamente conservador, provinciano (lembrando que ser
provinciano não é um problema de origem ou de condição financeira, é uma forma de ver o mundo) e machista
(mas a China toda era assim, quase o mundo todo naquela época era machista e,
me desculpe se exagero, repleto de homens misóginos). Mas sendo uma questão
cultural, só resta ao leitor relevar. Com tolerância, claro.
Esse seu conservadorismo e
provincianismo chegavam a ser irritante. Wang achava que a verdade estava
limitada ao seu território, apesar de que nem sempre impedia que outras ideias
invadisse seu espaço, e quando isso ocorria encarava como ameaça ao seu ideário
construído e acabado, mas, no fim, considerava e pensava a respeito.
Seu machismo segue o que a
cultura determinava na época, mas foi muito penoso acompanhar o sofrimento das
personagens femininas que aceitam tudo silenciosamente ou com pouquíssimas
manifestações. Impossível não se comover com a vida de O-lan. Poucos leitores
lidam friamente com os maus-tratos das mulheres deste romance. No entanto, a
autora não perdeu o ponto, acertadamente não tentou defini-las como paradigmas
da moralidade. Mais uma vez, cabe ao leitor apenas entender que se trata dos
costumes da China.
Sem querer contar muito do enredo,
o sucesso de Wang é subscrito por sua vontade de ouvir a sua esposa, a maior
parte do tempo, e ao amor à sua terra, que para ele é sagrada. No final, ele
começa a perceber que sua esposa, como a terra, é a fonte de sua riqueza e
felicidade.
Um romance cativante e inesperadamente
brilhante que possui duas sequências: Os
filhos de Wang Lung e A casa dividida
– provavelmente tão bons quanto o primeiro da trilogia. Se eu tivesse que
escolher uma palavra para descrever A boa
terra, seria, indiscutivelmente: “autêntico”. Um clássico, sem dúvida
alguma.
Ilustração: John Thomas Biggers (Pearl S. Buck's "The Good Earth" - 1964)
Um comentário:
Só de ler sua narrativa com seu olhar crítico e sabio, desperta a vontade e curiosidade de conhecer a fundo está história.
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