domingo, 13 de fevereiro de 2011

Gabriela Bautista





Noite. O calor parece não dar trégua nenhuma. Tampouco a poeira. Calor e poeira se grudam nos corpos. As peles transpiram terra. Redemoinhos de borrachudos e mosquitos flutuam no ar imóvel e fervente. Zumbem junto aos ouvidos e picam, implacáveis. Um trio de coiotes uiva no morro. As cascavéis se retorcem no cascalho ardente dos caminhos. Os bichos se abrigam embaixo das algarobeiras, fugindo de um sol que ainda perdura no escuro. Ao longe, o rio e seu murmúrio sossegado. E o calor, o maldito calor, avassalando tudo.

Gabriela Bautista não dorme, a angústia não deixa. Nem o medo. Inquieta, aguarda o regresso do marido a qualquer momento para cobri-la de pancadas e, muito provavelmente, matá-la. Não tem para onde fugir nem onde se esconder. Mantém a leve esperança de que ele não saiba de nada, mas não, a esta hora já deve ter sido informado de sua infidelidade. Se está demorando a chegar, é porque foi cobrar do Cigano a afronta.

A porta range. Gabriela Bautista se encolhe atrás da cama. É ele, e vai matá-la. Um minuto se escoa lentamente, depois mais um. O rangido não se repete. Gabriela Bautista apóia a cabeça sobre a cama e fecha os olhos. Transpira um suor que vem do âmago. O mesmo suor que a percorrera na noite anterior, quando uma luz brutal a descobrira esfregando sua carne à carne do Cigano. Uma luz sem nome, insistente, calada, que os cegou no meio da noite e esquadrinhou sua nudez.

- Boa-noite – gritou o Cigano à luz muda.

Não houve resposta, só o silêncio e a luz. Gabriela Bautista se escondeu atrás do Cigano e transpirou medo.

- Boa-noite – repetiu o Cigano.

Nada, luz e silêncio, e a fria sensação de estarem sendo tocaiados pelo silêncio.

O Cigano adivinhou na escuridão o reflexo do cano de uma arma. Empurrou Gabriela em direção ao morro e ambos começaram a correr, e a luz atrás deles, e sabe Deus quem atrás da luz. Correram tanto quanto puderam, tropeçando, ferindo os pés nos espinhos, rasgando braços e pernas, até que a luz deixou de penetrar a espessa ramagem do matagal. Encolheram-se numa vala, embaixo de uns arbustos, respirando agitados, inundados pelo ar quente da noite. Não falaram uma só palavra. Ela se agarrou a ele e ele a beijou e acariciou e Gabriela Bautista se deixou beijar e acariciar e beijou e acariciou, cada vez mais temerosa de si mesma.

Fizeram amor. Ao terminarem, o Cigano se levantou, fechou a calça e partiu por entre o matagal. Ela ficou quieta, impregnada de sexo e medo. Ouviu a distância o ronronar da caminhonete do Cigano, que se afastava pela trilha. Ficou escutando até que ele se perdesse na madrugada. Então se ergueu, sacudiu o vestido e ajeitou a roupa. Começou a andar, com passo pesado. Tinha sido descoberta e não sabia para onde fugir. Chegou à sua casa e se escondeu no único lugar no qual achou que poderia se esconder: atrás da cama, onde passou todo este domingo e de onde escuta agora a porta ranger. Percebe quando ela se abre e vê entrar Pedro Salgado, seu marido.


* * *

Extraído do livro Um doce aroma de morte, de Guillermo Arriaga.

* * *

Imagem: recorte de cena do filme A teta assustada (direção: Claudia Llosa).


Um comentário:

Andréia Martins.M.L disse...

Muito obrigada! Fiquei muito feliz ao ver seu comentário em meu blog e ver que realmente gostou, pois tenho um carinho muito grande por ele, afinal o criei em 2007, e boa parte de minhas experiências, sensações, emoções estão lá, através de algum texto, foto, poema,música ou mesmo dos textos de minha autoria, os quais mostram toda a verdade que não consigo expressar por meio de palavras ditas. Fique a vontade para posta-los em seu blog, e como vc mesmo disse, com os devidos créditos rs. Muito bom este texto, inclusive me interessei em ler o livro =)
ótima semana pra vc também, tudo de bom!
bjs