quinta-feira, 22 de julho de 2010

A velha rabugenta





Que veem amigas? Que veem? Que pensam quando me olham? Uma velha rabugenta, não muito inteligente, de hábitos incertos, com seus olhos sonhadores fixos ao longe?

A velha que cospe comida, que não responde ao tentar ser convencida “de fazer um pequeno esforço”? A velha que vocês acreditam que não se dá conta das coisas que vocês fazem e que continuamente perde a sua escova ou o sapato? A velha, que, contra sua vontade, humildemente lhes permite fazer o que queiram, que me banhem e me alimentem só para o dia passar mais depressa.

É isso que vocês acham? É isso que vocês veem? Se assim for, abram os olhos, amigas, porque isso que vocês veem não sou eu! Vou lhes dizer quem sou, quando estou sentada aqui, tão tranquila como me ordenaram… Sou uma menina de 10 anos, que tem pai e mãe, irmãos e irmãs que se amam. Sou uma jovenzinha de 16 anos. Com asas nos pés, e que sonha encontrar seu amado. Sou uma noiva aos 20, que o coração salta nas lembranças. Quando fiz a promessa que me uniu até o fim de meus dias com o amor de minha vida. Sou ainda uma moça com 30 anos, que tem seus filhos, que precisam que eu os guie. Tenho um lugar seguro e feliz! Sou a mulher com 40 anos, com os filhos que crescem rápido, e estamos unidos com laços que deveriam durar para sempre. Quando tenho 50 anos meus filhos já cresceram e não estão em casa.

Mas ao meu lado está meu marido, que me acalenta quando estou triste. Aos 60, mais uma vez comigo deixam os bebês, meus netos, e de novo tenho a alegria das crianças, meus entes queridos junto a mim.

Aos 70 anos, sobre mim nuvens escuras aparecem, meu marido está morto; e quando olho meu futuro me arrepio toda de terror. Os meus filhos se foram, e agora têm os seus próprios filhos.

Então penso em tudo o que aconteceu e no amor que conheci. Agora sou uma velha.

Que cruel é a natureza... A velhice é uma piada que transforma um ser humano em um alienado. O corpo murcha, os atrativos e a força desaparecem. Ali, onde uma vez teve um coração, agora há uma pedra.

No entanto, nestas ruínas, a menina de 16 anos ainda está viva, e o meu coração cansado ainda está repleto de sentimentos vivos e conhecidos. Recordo os dias felizes e tristes em meus pensamentos. Volto a amar e a viver o meu passado. Penso em todos esses anos que foram, ao mesmo tempo poucos, mas que passaram muito rápido, e aceito o inevitável. Que nada pode durar para sempre.

Por isso, abram seus olhos e vejam: diante de vocês não está uma velha mal-humorada. Diante de vocês estou apenas eu, uma menina, mulher e senhora, viva.

E com todos os sentimentos de uma vida.


(autoria desconhecida)

* * *

Às vezes é difícil compreendermos a forma como os idosos veem as coisas. Talvez essa rispidez toda aparece por sentirem medo do amanhã, pela própria solidão ou simplesmente por saudades de um tempo que não volta mais. Muitos idosos são ignorados ou esquecidos - é tão triste!

Ao se deparar com uma pessoa idosa mal-humorada, não a rejeite, procure entender o motivo de tanto mau humor, e tente fazer com que ela mude por meio de algum gesto seu, com um olhar de compreensão ou algo assim. É preciso tão pouco de nós, mas significa muito para quem precisa de amabilidade. E lembre-se: um dia você poderá estar no lugar dela.

* * *
Ilustração: Old woman with cane, de Asuman e Atanur Dogan

4 comentários:

Marcello BBlanc disse...

senti a pontada do dedo!! Dus, como fui injusto com muitos velhinhos por aí! bastava eu ser empático!! Marcião, valeu pelo texto e pelo seu comentário.

Ana disse...

Meu querido, que lindo texto! Claro que sempre tem aquele velhinho ou velhinha que são chatos e irredutíveis, que nem sempre estão com a razão, mas na maioria das vezes o que falta é a nossa compreensão mesmo, saber dialogar, ser empático. Beijos

Rosangela O Araujo disse...

Gostei de ver... Parabéns!!! Soltou o breque de mão??? rsrs Sabe, a minha avó, era muito ranzinza, brava... mas eu a adorava, aprendi muito com ela... principalmente no que diz respeito a cozinhar, o que fazia divinamente. Sempre procurei entendê-la e, não ouvir, quando necessário, mas sempre com muito respeito e amor!!! Sinto saudades do colo, dos carinhos!!! É bom demais. Sou apaixonada por velhinhos e velhinhas (avôs e avós). Se estiver ao meu alcance, sempre ajudo. Beijão, eu estava com saudades de suas crônicas... não some não, vai...

Unknown disse...

q forte isso. é bem por aí... como a gente julga, não é mesmo? vou me policiar daqui pra frente e dar mais sorrisos do q os habituais. valeu por me fazer enxergar, marcio. bjs